Todos os anos assinala-se, no aniversário da libertação do campo de concentração e de extermínio de Auschwitz, em 27 de Janeiro – 67 anos, em 2012 -, o Dia Internacional em Memória das Vítimas do Holocausto. Lembre-se que, após ter chegado ao campo de concentração e de extermínio de Majdanek, na Polónia oriental, em final de 1944, o Exército Vermelho lançou, em 12 de Janeiro de 1945, uma ofensiva geral na Polónia. No sábado, dia 27 de Janeiro, elementos dos corpos n.º 28 e n.º 106 do Primeiro Exército soviético da Ucrânia chegaram ao complexo de campos de concentração, trabalho forçado e extermínio (Birkenau) de Auschwitz, onde encontraram cerca de 7.500 prisioneiros, incluindo 4.000 mulheres e cerca de 600 crianças, deixadas pelos nazis. Relativamente aos outros prisioneiros, tal como noutros campos, os nazis organizaram «marchas da morte» em direcção à Alemanha, para apagar, na debandada geral, os indícios físicos e materiais do enorme crime perpetrado sobre milhões de seres humanos. Entretanto, também se assinala este ano a data redonda do 70.º aniversário da realização conferência de Wannsee, localidade nos arredores de Berlim, onde as SS e altos dignatários nazis organizaram os aspectos “práticos” do processo que ficou conhecido por «Solução Final do Problema Judeu», ou o Holocausto ou Shoah.
A muito abundante historiografia sobre o Holocausto perpetrado pelo regime nacional-socialista alemão tende, na sua grande parte, por considerar que o mecanismo do extermínio dos judeus, procedeu por etapas, num processo em espiral de radicalização imparável. Ao colocar o anti-semitismo no centro da sua ideologia e prática, o regime hitleriano começou por definir a figura dos judeus e proceder ao boicote ao comércio judeu, em 1 de Abril de 1933. Prosseguiu com a legislação de exclusão dos judeus das profissões liberais e da função pública, atribuindo depois um estatuto diferente aos judeus, através das leis de Nuremberga, em 1935. Seguiu-se uma política de expropriação e de «arianização» do património dos judeus, levada a cabo paralelamente com a “emigração”/expulsão destes dos territórios alemães. De seguida, os judeus foram concentrados, enclausurados e isolados em guetos, antes de serem deportados para os campos de concentração e de extermínio, onde foram assassinados em massa.
É hoje também aceite em geral a ideia de que o Holocausto esteve relacionada com a operação Barbarossa, de guerra total na URSS, iniciada em Junho de 1941, em particular devido à ordem de execução dos comissários soviéticos (Komissarbefehl) e ao reforço dos Einsatzgruppen com elementos das SS. Estes eram esquadrões da morte que seguiam as tropas regulares da Wehrmacht nos territórios ocupados da Polónia e da URSS, com o objectivo de matar civis, que foram responsáveis por matar cerca de dois milhões de pessoas, antes das câmaras de gás de Auschwitz. Através da Komissarbefehl, foi ordenada a eliminação sistemática dos comissários políticos comunistas do Exército Vermelho, identificados estes também como judeus.
A génese do genocídio, que decorreu na sequência da invasão da URSS, tem sido historiograficamente procurada na prática quotidiana das instâncias regionais e locais de ocupação alemã. Haveria assim uma grande diversidade de situações, dependendo dos locais, da cronologia e das formas de execução. Mas, embora o genocídio não tenha começado por todo o lado no mesmo momento, os autores são unânimes na fixação em Junho de 1941 de toda uma série de iniciativas locais em matéria de genocídio, pois, no momento da invasão da URSS, os massacres estenderam-se a todas as zonas ocupadas da Europa oriental.
O historiador Christopher Browning mostrou que o processo através do qual, num período de 25 meses, entre Setembro de 1939 e Outubro de 1941, o regime nazi chegou ao extermínio de todos os judeus europeus sob domínio alemão, passou por duas políticas distintas: a «reinstalação» e a «guetização». A chamada «questão judaica» deveria ser solucionada, segundo os dirigentes nazis, e especialmente o chefe supremo das SS, Heinrich Himmler, reinstalando os judeus a leste, através de expulsões forçadas e, concomitantemente, da dizimação dessas populações. Primeiro, Himmler encarou a expulsão dessas populações judaicas para o distrito de Lublin, na Polónia, e depois para a ilha de Madagáscar. Ou seja, se, entre 1938 e 1941, a escolha da emigração forçada revelou, da parte dos nazis, a procura de uma solução territorial da questão judaica pela deportação massiva.
Após a «reinstalação» a leste, seguiu-se um segundo processo através do qual o regime nazi chegou ao Holocausto - a «guetização», ou a concentração e o isolamento dos judeus até que uma nova «reinstalação» tivesse lugar. Depois da «guetaziação», ocorreu, como se sabe, a deportação para os campos da morte e o assassínio em massa dos judeus. A política anti-semita teve, assim, um carácter cumulativo, por etapas, progredindo desde a discriminação profissional até ao extermínio dos judeus, decidida pelo menos a partir de Dezembro de 1941, embora até então também tivesse havido várias etapas. Em Outubro de 1941, depois de invasão da URSS, os Einzatzgruppen eliminaram comunidades inteiras e a RSHA – central de todas as polícias, incluindo a Gestapo-SD, dirigida pelo líder das SS, Heinrich Himmler - decidiu a deportação de judeus para territórios russos ocupados. No entanto, apesar da existência de massacres em massa de mulheres e de crianças russas, a deportação ainda continuava a ser considerada como o instrumento principal para resolver a «questão judaica». Em Dezembro de 1941, interveio a decisão de extermínio, anunciada por Hans Frank, e anotada, a 18, por Himmler na sua agenda.
A conferência de Wannsee
Em 20 de Janeiro de 1942, realizou-se convocada por Reinhardt Heydrich, chefe SS da Gestapo-SD, a conferência de Wannsee, perto de Berlim, na qual foi programada, por quinze dignitários nazis, a «solução final». Segundo concluiria o próprio Heydrich, essa reunião terminou com a definição das linhas básicas relacionadas com a «execução prática da solução final da questão judaica». Ficou então decidida a «evacuação dos judeus em direcção a leste, com a autorização do Führer», em substituição da «emigração», sendo afirmado que, embora provisória, aquela opção já constituía «uma experiência prática muito significativa para a próxima solução final da questão judaica» europeia. Esta abrangeria «mais ou menos 11 milhões de judeus de diversos países». Após lembrar que Hitler tinha recentemente aprovado a nova política de deportação, relativamente aos judeus, enfatizando que se tratava de uma medida temporária, Heydrich apresentou números relativos à população judaica de cada nação europeia, incluindo os países fora da ocupação e influência alemã, em particular de países neutros como a Irlanda, Suécia, Suíça e Portugal, onde haveria, segundo ele, respectivamente 4.000, 8.000, 18.000 e 3.000 judeus.
Heydrich lançou depois as bases para a discussão, ao apresentar o que deveria ser feito de imediato nos territórios ocupados de Leste. Segundo ele, tratava-se de organizar os judeus em colunas de trabalho forçado, no seio das quais, «sem dúvida, a maioria seria eliminada por causas naturais». Estava subentendido que os mais fortes, do ponto de vista físico, eram poupados temporariamente e utilizados na realização de trabalhos duros, enquanto as crianças, os velhos e os mais fracos estariam à partida condenados à morte. A reunião discutiu ainda de que forma se deveria persuadir os territórios ocupados ou os países aliados da Alemanha para também eles lidarem com o «problema» judeu, enaltecendo aliás o que tinha sido já feito na Croácia e na Eslováquia. Lembre-se que o estado fantoche da Eslováquia cooperou em toda a linha com as deportações nazis, o que resultou no facto de os comboios de judeus eslovacos terem sido os primeiros a serem alvo de «selecção» em Auschwitz, logo em e Março de 1942. Por outro lado, erca de 90.000 judeus, primeiro, homens jovens programados par ao trabalho, e depois mulheres e crianças foram enviados, no final desse mês do Estado-fantoche da Croácia para guetos no distrito de Lublin e para os campos da morte a Leste.
Com o triunfo da posição das SS sobre as outras facções na conferência de Wannsee de Janeiro de 1942, foi posta em marcha a «solução final», na dependência das SS. Ao receber as actas da conferência de Wannsee, redigidas por Adolf Eichmann e enviadas a muitos altos dignatários nazis, Joseph Goebbels escreveu no seu diário que a partir de então a «questão judaica» tinha «de ser resolvida numa escala pan-europeia». m 14 de Fevereiro, Hitler disse a Goebbels estar determinado a «limpar» a Europa de judeus sem qualquer espécie de contemplações ou de emoções sentimentais e este último confiou ao seu diário, em 27 de Março, que os judeus estavam então a ser empurrados para fora do Governo-Geral, a partir de Lublin, mais para leste». Reconhecia o ministro de Propaganda nazi que um processo bastante bárbaro estava ali a ser aplicado, o qual não deveria ser descrito com mais detalhe, mas que sem dúvida muito pouco era «deixado dos próprios judeus». Especificando, escreveu que, em geral, «pode-se concluir que 60% deles devem ser liquidados, enquanto apenas 40% podem ser postos a trabalhar».
O certo é que, a 25 desse mês de Março de 1942, começaram, em toda a Europa ocupada pela Alemanha, as operações genocidas. Do Reich alemão e do Protectorado da Boémia-Morávia cerca de 60 comboios carregados, cada um, com cerca de mil deportados tomaram também o caminho dos guetos. Na Polónia, os guetos foram dissolvidos e os seus ocupantes começaram a ser deportados para os campos de extermínio, tal como aconteceu os judeus de França – a parte ocupada, bem como a parte «livre» de Vichy -, da Bélgica e da Holanda. Em Chelmno e Maidanek,campos da morte na Polónia, o gás dos motores diesel, utilizado até então, juntamente com os fuzilamentos em massa, para matar judeus, viria a ser substituídos pelo Zyklon B, que permitiria a “industrialização” da morte. Estes locais e os campos de Belzec, Sobibor, Treblinka e Auschwitz-Birkenau (construído a partir de Novembro de 1941) tornar-se-iam campos de extermínio. Com o início do funcionamento das câmaras de gás do campo de extermínio de Birkenau, em Junho de 1942, os nazis passaram à fase aberta do genocídio planificado e sistemático, cujo ponto culminante e derradeiro viria a ser o massacre de meio milhão de judeus húngaros, executados ao ritmo de 10.000 por dia, no Verão de 1944.