2.1.12

2012

Ao Ministro da Educação, Professor Doutor Nuno Crato: o que tem o senhor contra as Novas Oportunidades?

Eu sei que, tal como eu e uma minoria de privilegiados, o senhor teve todas as oportunidades, incluindo durante as ditadura de Salazar e Caetano, para vir a fazer parte da elite do regime. Felizmente, tal como eu, teve oportunidade de assistir ao fim do regime ditatorial e fazer parte da elite do regime democrático. Agora o senhor é ministro de um governo liderado por jovens da Direita política, cuja mobilidade ascensional social, como a da generalidade dos portugueses, mas ao contrário da sua, foi possibilitada (e bem) pela democratização social, política e económica proporcionada pelo Estado social dos últimos 36 anos.
Esperar-se-ia que essa possibilidade de mobilidade social ascensional da qual os jovens governantes e elementos da actual elite beneficiaram fosse agora retribuída, aprofundada, alargada progressivamente a mais pessoas e deixada em herança aos que vêm depois de nós. O que se verifica, porém, é algo de muito diverso. Através de uma política de empobrecimento geral dos portugueses – descontando como sempre uma minoria – e do desmantelamento do Estado social, da Escola Pública e do Serviço Nacional de Saúde que estão a ter lugar em Portugal (mesmo para além da Troika), vê-se que quem hoje governa em Portugal e já beneficiou da democratização social, económica e política considera que esse bem seja um privilégio apenas detido por aqueles que já o têm.
Como alguém disse, eu já vivi nesse país pobre em que cada um nascia para uma determinada função, da qual não podia escapar. Eu já vivi nesse país, cuja norma elitista era «a cada um o seu lugar» e não gostei nada. Penso que o senhor ministro da Educação também não terá gostado. Vem isto tudo a propósito do programa «Novos Oportunidades», tão combatido e ridicularizado pela Direita política e acenado como arma de arremesso e de exploração das invejas nacionais. Suponho que o senhor Ministro não alinha com as críticas, pois, caso contrário, acabaria com o programa na sua totalidade.
Como não extinguiu o programa, suponho que concorda com a ideia de que as Novas Oportunidades não só constituem um instrumento de reforço de qualificação e profissionalização, com evidentes resultados para o progresso e crescimento económico português, como representam uma possibilidade de mobilidade social ascendente e um regresso aos estudos de todos aqueles que, devido às vicissitudes da vida não puderam prolongar o seu processo de aprendizagem.
Em Novembro, eu pude tomar conhecimento do excelente e muito dinâmico trabalho levado a cabo pelo Centro de Novas Oportunidades do Seixal. Suponho que, mais do que eu, o senhor ministro saberá do que falo e tem a noção de que se trata de um programa com enormes potencialidades e aspectos positivos.
Mas então – pergunto -, em vez de alargar, aperfeiçoar e aprofundar o programa, por que optou por eliminar vinte centros, retirando a muitos portugueses a possibilidade de aceder a novas oportunidades e colocando no desemprego todos os seus funcionários. No mínimo, o senhor ministro dever-nos-ia dar uma explicação pormenorizada, baseada em números e estatísticas que possibilitem encontrar resposta para as seguintes perguntas:
- Porque vai fechar essas escolas?
- Que maus resultados apresenta o programa Novas Oportunidades que justifiquem uma tal destruição?

Face às dúvidas e perplexidades, o elogio da política

De forma excepcional - tenho de o confessar -, assisti hoje a alguns programas televisivos de «feitura da opinião» na televisão portuguesa. Na Sic Notícias, ouvi a deputada do PP, Teresa Caeiro, louvar a política do ministro da Emergência – sorry - da Segurança Social, seu companheiro de partido, pela poupança que, segundo ela, iria haver, ao retirar-se dinheiro injustamente atribuído a beneficiários do rendimento de inserção social, que iria reverter para um aumento (3%) nas pensões de reformados pobres. O esplendor da demagogia no seu melhor.
Depois, ouvi a prestação, na TVI24, de uma jornalista do Público, creio que da secção de Economia, de nome Isabel Ferreira. A jornalista, com aquele ar de objectividade total (como se não estivesse a emitir uma opinião, uma opinião política), disse várias vezes que assim como não era «tempo, no período de José Sócrates, de o Estado investir dinheiro na economia», também não era «tempo de ensaiar medidas neo-liberais», sem ter a noção dos «efeitos colaterais». Isto tudo a propósito do negócio da China relativo à EDP.
Dias não são dias, e tão depressa não vou assistir, por falta de tempo e interesse, a mais comentários pretensamente apolíticos e pretensamente objectivos. É que isto é tudo uma questão de opção política. E eu não concordo com a opção política de um governo de um partido que ganhou as eleições mentindo relativamente ao que iria fazer. Pode-se argumentar que a mentira para ganhar as eleições não é de agora. É verdade. Mas o que está a acontecer é que está a ocorrer em Portugal uma mudança radical de opção política e de paradigma político. E tudo em nome da falta de alternativas.
Até agora, a opção política – com imensas imperfeições – era, para apenas falar dessa questão, a manutenção do Estado social em Portugal. Ora, o que está a acontecer, não é um «efeito colateral» não desejado da política do governo, mas sim do cerne da opção política do governo. O que se trata aqui é de diminuir de tal forma o Estado Social até ao ponto em que já não se está face a uma mudança de quantidade de prestaçõos sociais, mas sim perante uma tal modificação de qualidade das mesmas que, na realidade, o Estado Social está a deixar de existir. O que dizer do aumento para o dobro ou mais das taxas moderadoras? Posso estar enganada, mas parece-me que esta opção política se assemelha na realidade à destruição do Estado social em Portugal.
Parece-me também – posso estar muito enganada – que este governo descobriu a solução (política) para a crise do Estado social. Dado que nascem poucos portuguese e que muitas escolas vão fechar e que não haverá necessidade de professores, há uma solução – emigrar. O problema é que parece que pelo menos o Brasil e Angola não estão propriamente à espera da nossa emigração docente. Mas adiante. Por outro lado, os idosos vivem demasiado tempo, graças à Medicina (e ao Estado social?), há uma solução - aumentar exponencialmente as taxas moderadoras. Dessa forma se fará “naturalmente” a triagem entre quem pode pagá-las e quem nem tem necessidade de recorrer à saúde pública.
Embora não acreditando que um governo português democraticamente eleito tenha como objectivos das suas opções políticas a emigração dos seus jovens e a diminuição dos seus idosos, proponho-me futiramente fazer um post sobre o debate eugénico que teve lugar na primeira metade do século passado, que me parece estranhamente parecido com aspectos da actualidade.
Há, no entanto, duas questões coisa relativamente às quais não tenho dúvidas:
1) tudo tem a ver com diferentes opções políticas e não há uma única alternativa política;
2) pessoalmente, não estou disposta a deixar passar, sem reagir, uma mudança de paradigma político em Portugal.

"Punir a polícia política na transição portuguesa para a democracia"

No passado dia 25 de Novembro, participei, juntamente com António Costa Pinto, Filipa Raimundo e Maria Inácia Rezola, numa conferência, intitulada «Dealing with the Legacy of Authoritarism in Contemporary Democracies: Portugal & Southern Europe in Comparison», realizada no Kings´s College, de Londres, organizada por António Costa Pinto e Luísa Pinto Teixeira. Na ocasião afirmei ser um mito a ideia de que em Portugal os elementos da PIDE/DGS não teriam sido punidos no período pós-25 de Abril. Essa afirmação, bem como a de terem sido alvo de processo judicial em tribunal militar 2755 elementos da PIDE/DGS foram reproduzidas – de forma correcta – por um jornalista presente da Agência Lusa. Para contextualizar essas afirmações, publico aqui a versão portuguesa da minha intervenção, intitulada «Punir a polícia política na transição portuguesa para a democracia».

O golpe militar do MFA de 25 de Abril de 1974 inaugurou uma nova vaga dos processos de democratização da Europa do Sul, dando lugar a uma crise revolucionária de Estado, em que ocorreram, em simultâneo, a democratização e a descolonização. Foi uma transição para a democracia por ruptura, que provocou uma forte mobilização anti-ditatorial, determinante para a imediata dissolução das instituições conotadas com o regime deposto. Na primeira linha desse desmantelamento, esteve, por exigência dos elementos que se tinham oposto à ditadura, o aparelho repressivo - a Polícia Internacional e de Defesa do Estado/Direcção-Geral de Segurança (PIDE/DGS).
Um diploma do próprio dia 25 de Abril de 1974 determinou a extinção da DGS, embora se dissesse, no seu art.º 2.º, que, «no Ultramar, depois de saneada», seria reorganizada «em Polícia de Informação Militar, nas províncias em que as operações militares o exigirem» (Decreto-lei n.º 171/74). Logo após o golpe militar, em Junho de 1974, já tinham sido detidos em Portugal cerca de mil membros da polícia política, incluindo indivíduos considerados informadores. Em Angola, Moçambique e na Guiné-Bissau, isso só viria a acontecer meses depois, em virtude da dinâmica do próprio movimento decorrente do 25 de Abril, que forçou à imediata descolonização. Neste período, assistiu-se também, com a ajuda de oficiais militares, à fuga de diversos inspectores da PIDE/DGS, alguns com responsabilidades em casos de assassinato.
Em final de Junho de 1974, foram criados a Comissão de Liquidação da PIDE/DGS, que deu por concluída a sua missão em Fevereiro de 1976, e o Serviço de Coordenação da Extinção da PIDE/DGS e da Legião Portuguesa (SCE da PIDE/DGS e LP), com, entre outras, a função de instruir os processos-crime de inculpação dos membros da polícia política. Foi à guarda do SCE da PIDE/DGS e LP, mais conhecido por Comissão de Extinção da PIDE/DGS, inicialmente sob tutela do Chefe do Estado-Maior das Forças Armadas e depois da Junta de Salvação Nacional, que ficaram os arquivos da PIDE/DGS.
A primeira Comissão de Extinção da PIDE/DGS, começou por ser da responsabilidade imediata do comandante Conceição Silva, que, em Agosto de 1974, informou estarem detidos 927 elementos da DGS e 44 informadores. Ao fim de 4 meses de trabalho, a secção de investigação da Comissão de Extinção afirmou ter 116 processos judiciais já prontos, relativos a elementos presos, e que 58 membros da ex-polícia política estavam em liberdade condicional.
No período a seguir ao golpe militar de 1974, ocorreram movimentos sociais que se foram progressivamente radicalizando, no que se convencionou chamar pelo Processo Revolucionário em Curso (PREC), no contexto do qual a lei 8/75, de 25 de Julho de 1975, criminalizou os elementos e informadores da DGS, prevendo as penas a que eles estariam sujeitos em julgamento realizado em Tribunal Militar (Lei 13/75, de Novembro): consoante as responsabilidades provadas, seriam condenados a penas que variavam entre os dois a oito anos e os oito a doze anos de prisão. Eram recusadas, tanto a imprescritibilidade do procedimento criminal, como a suspensão das penas, bem como a sua substituição por multa.
O chamado PREC terminou em 25 de Novembro de 1975, com a vitória dos moderados do MFA, tendo dois diplomas - leis 16/75 e 18/75 - alterado algumas características da lei 8/75, abrindo possibilidade à libertação, enquanto aguardavam julgamento, de ex-elementos da polícia política. Em 5 de Dezembro de 1975, a Comissão de Extinção da PIDE/DGS passou a depender do Conselho da Revolução (CR), que nomeou o capitão Sousa e Castro para superintender aqueles serviços, que passaram presididos pelo general Manuel Ribeiro de Faria.
O CR, que tinha competência legislativa sobre a definição dos contornos das leis, até à aprovação da nova Constituição da República, mandou publicar, em 13 de Maio de 1976, o DL 349/76, que criou atenuantes nos crimes dos elementos da ex-PIDE/DGS. Por exemplo, se estes tivessem mais de 70 anos de idade à data do julgamento ou houvessem prestado serviço no Ultramar, colaborando com as Forças Armadas, ou tivessem estado às ordens destas, após 25 de Abril de 1974, designadamente na Polícia de Informação Militar, passariam a ser meramente condenados em suspensão de direitos políticos.
Ao tomar posse do seu cargo, o capitão Sousa e Castro daria conta que havia então 200 processos judiciais já organizados e 260 entregues ao tribunal. Por seu turno, acusado na imprensa de querer pôr uma esponja sobre o passado, ao libertar a maioria dos elementos da PIDE/DGS, o general Ribeiro de Faria informou que tinham sido postos em liberdade provisória, 1.222 elementos dessa polícia, entre os quais se contavam 204 informadores, 6 administrativos, 1 guarda prisional, 1.008 agentes, chefes, directores e 3 ex-ministros. Em liberdade definitiva, estavam 62 elementos (A Luta, 22/6/76)
Em Janeiro de 1977, a imprensa noticiou que, entre sete elementos da PIDE/DGS recém-julgados, nenhum iria ficar preso, pois que seis tinham sido condenados a penas de cadeia já expiadas com a prisão preventiva e um deles apenas havia sido sentenciado a suspensão de direitos políticos. No final desse ano, foi julgado um dos casos mais emblemáticos, relacionados com a polícia política: o caso do escultor comunista José Dias Coelho, assassinado pela PIDE, em 1961. O ex-chefe de brigada da PIDE, considerado o autor material do crime, António Domingues, foi condenado a três anos e nove meses prisão, o que significava que, com a prisão preventiva já sofrida, apenas ficaria mais dez meses preso, o que causou forte indignação em parte da opinião pública. Em Maio de 1978, começou, por seu turno, o julgamento dos assassinos do general Humberto Delgado e da Sua secretária, Arajaryr Campos, mortos pela PIDE, em Fevereiro de 1965, que prosseguiria pelo ano de 1980.
Dois anos depois, após uma revisão constitucional, entrou em vigor a Lei Constitucional nº 1/82, de 30 de Setembro, que acabou com o CR e colocou transitoriamente o SCE da PIDE/DGS na dependência administrativa da Assembleia da Republica. Esta ficou de decidir do destino dos arquivos dessa polícia política, que viriam a ser transferidos para o Instituto dos Arquivos Nacionais da Torre do Tombo, em 1991, ano da extinção do SCE da PIDE/DGS, passando a ser consultáveis, com algumas restrições, em 1994.
Por seu turno, ao prestar contas, em Agosto de 1982, o SCE da PIDE/DGS declarou que mais de seis mil elementos dessa polícia já estavam com o processo judicial organizado, dos quais tinham sido levados a tribunal 1089, tendo sido mandado arquivar os processos relativos aos restantes 69%. Na maioria dos enviados para tribunal, a sentença não excedeu os seis meses já cumpridos em prisão preventiva e apenas 5,5% foram punidos a mais de dois anos de prisão. Num balanço realizado em Fevereiro de 1986, a Comissão de Extinção da PIDE/DGS e da LP, contabilizou o número total de sentenças atribuídas pelo Tribunal Militar a ex elementos e informadores da PIDE/DGS, até então (dados recolhidos nos arquivos do SCE da PIDE/DGS e da LP).

SentençaNúmero%
Soma2755100
Absolvidos1756
Suspensão de direitos políticos1074
Até 1 mês101437
De 1 a 6 meses84731
De 6 meses a 1 ano1726
De 1 a 2 anos39714
Desde 2 anos432
De notar que, com sentenças de um a dois anos de cadeia, foram condenados 8 elementos do pessoal dirigente, 30 inspectores, subinspectores e chefes de brigada, 315 agentes e motoristas e 44 informadores. Com sentenças de mais de dois anos, foram condenados 1 elemento dirigente, 15 membros do pessoal intermédio, 9 agentes e motoristas, bem como 18 informadores.