20.2.13

Jornada Como responder ao momento presente? por Irene Pimentel e Maria Filomena Molder

ana vidigal, "pour l'amour de l'eternité", 2013


Tudo começou num encontro inesperado e feliz entre nós num intervalo da Conferência Internacional sobre Portugal e o Holocausto. Aprender com o Passado. Ensinar para o Futuro que teve lugar na Fundação Calouste Gulbenkian nos dias 29 e 30 de Outubro de 2012.

Estamos certas de que a nossa participação nessa Conferência proporcionou uma base e um incentivo para a iniciativa que recebeu como título uma pergunta – Como responder ao momento presente? – e que se viria a realizar na Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da NOVA, no dia 6 de Dezembro de 2012.

Desde o início que contámos com o apoio e o interesse incondicionais do Reitor da Universidade Nova de Lisboa e do Director da FCSH. É de salientar que também desde o início o Reitor da Universidade de Lisboa correspondeu com entusiasmo ao nosso convite, e só por razões inadiáveis de calendário não esteve presente.

Não se pense, porém, que a nossa ideia fosse uma reunião oficial ou semi-oficial. De comum acordo, dispensámos as regras protocolares e cada um dos convidados se apresentou como interveniente – sediado directa ou indirectamente na Universidade ou convocado por ela –, que desejava corresponder ao que estava em causa na pergunta da Jornada.

Neste Editorial a intenção não é a de fazer um resumo da todas as contribuições (escritas ou orais; em presença ou em diferido), pois todas elas ou já fazem parte ou farão parte integrante deste blogue. Excepto quando não dispomos de texto, identificando nesse caso o autor. O que nos interessa é relevar os aspectos focados com maior insistência e, ao mesmo tempo, dar conta da variedade fértil das perspectivas, na expectativa de podermos dar uma ideia da vida própria que se engendrou naquela longa manhã de 6 de Dezembro – o período previsto, entre as 10h e as 13h, foi largamente ultrapassado, e às 14h ainda ninguém arredava pé –, a saber, uma comunidade formar-se, que aqui e agora se prova e se põe à prova.

Interveniente como ponto de partida, foi o papel da Universidade, da educação, da ciência e da cultura, no que respeita ao exercício da liberdade crítica – como seja o de desmontar a ideia feita de que não há alternativas. Conjuntamente, esse papel foi objecto de escrutínio, através da interrogação constante sobre a relação entre a Universidade e o fora dela, que se apresentou sob formas várias: desde a descrição sintomatológica das suas patologias até à evocação de uma experiência catártica em que a relação dentro/fora se dissipa e a aula é feita numa rua qualquer, passando pelas propostas terapêuticas mais latas ou por projectos à medida das necessidades e vontades, e também pela urgência de se fazer cumprir como Universidade que “pode e deve contrariar a tendência crescente para a opinião superficial e para a “tudologia” que o sistema mediático ajuda a que sejam aceites como ‘verdades’”. Mais adiante se verá como estas palavras de Emílio Rui Vilar teriam uma pedra-de-toque inesperada e lamentável. Não podemos deixar de salientar a chamada de atenção do Reitor da NOVA para a ausência em Portugal de uma cultura da confiança e para a urgência de a exercitar (no momento, acrescentamos nós, em que ela parece mais ameaçada do que nunca). 

Houve quem lembrasse aquilo de que a maior parte dos presentes no Anfiteatro I da FCSH não se poderia lembrar: como era a vida antes do 25 de Abril de 1974 em termos de liberdades e direitos. O que convém não esquecer.

Houve quem tomasse a sério as palavras de Hannah Arendt, escolhidas como epígrafe da Jornada e correspondesse ao nosso apelo, desdobrando-o e particularizando-o numa série de apelos que corresponderam à apresentação de outras tantas disciplinas de responsabilidade, entre a consciência dos limites e das reais possibilidades.

Houve quem esclarecesse confusões várias sobre a temporalidade histórica e as suas aporias. A partir da relação entre história e memória, simultaneamente como luto e rememoração, foram abertas clareiras para se poder responder às perguntas: será que os acontecimentos se repetem ou será que são únicos?

Houve quem respondesse ao desafio do momento presente, uma “ficção certa”, partindo da evidência de já estarmos dentro/diante dele e se dispusesse a traçar um caminho local (ligado ao que cada um faz) de soluções viáveis, de esforços realizáveis, pondo de lado gestos grandiloquentes e ilusionistas.

Houve quem se interrogasse sobre a soberania nacional e os enxovalhos a que tem sido submetida, sem ceder às frase feitas sobre o assunto, surpreendendo-nos com um uso imaginativo e preciso do “xadrez” político, desafiando-nos a encarar o que seja um “paradigma supranacional”.

Houve quem não fugisse à pergunta sobre a responsabilidade do artista no momento presente: diante da sua obra ou diante do seu público ou mesmo diante da sociedade? A resposta desarmou qualquer receita previamente requentada.

A um dado momento já adiantado da hora, deu-se uma suspensão discursiva no Anfiteatro I, e mesmo para os que a previam, imprevisível, levada a efeito pelo grupo O pátio/c-e-m. Vimos e ouvimos uma resposta ao momento presente, através de uma oferenda dançante e teatral, que durante um tempo – não foi medido - nos fez sentir em estado de leveza e nos revigorou. Neste caso, o video da Jornada será a todos os títulos precioso.

Um aspecto a destacar prendeu-se com o espaço crítico jornalístico e editorial, no qual se integra a pedra-de-toque acima referida. Neste âmbito tivemos em primeira mão e na primeira pessoa a notícia do afastamento do jornalista António Guerreiro pelo semanário Expresso. Foram focados os seguintes aspectos: 1) a hipoteca da autonomia editorial às decisões comerciais das grandes superfícies e aos critérios jornalísticos que lhes correspondem; 2) a multiplicação de “tudólogos” nas redacções dos jornais; 3) a mistificação do “leitor médio”; 4) o crescente império da ignorância e do desprezo pela cultura; 5) a redução da esfera pública crítico-literária; 6) a expectativa de que esta autêntica catástrofe conheça uma regeneração, desde logo porque os objectivos económico-financeiros não são realizados, pois os que alimentam o estado de coisas estão ameaçados pelo pânico de um fracasso iminente. É simples, a categoria volúvel do leitor médio não assegura o êxito das vendas.
Estas palavras provocaram em todos os presentes perplexidade e consternação, mas também vontade de reagir, de protestar.*

Neste âmbito, inseriu-se um conjunto muito relevante de questões relativas à situação da investigação e do investigador nas chamadas ciências humanas, da qual Nuno Venturinha traçou o quadro minado pelos mal-entendidos editoriais da internacionalização, para o qual se contribui, recorrendo-se a fundos nacionais (FCT) ou a conhecimentos pessoais. Em todo o caso, o investigador raramente recebe alguma coisa pela sua publicação. Assim, o trabalho científico resulta num financiamento de 97% de editoras estrangeiras, nas quais é muito difícil publicar. A publicação científica tornou-se uma indústria que se estende igualmente aos artigos publicados em revistas internacionais, publicadas por grupos editoriais que depois vendem pacotes de revistas científicas às Universidades (incluindo a nossa). Aquilo que promove este sistema é a exigência de publicar nestas editoras e revistas e o facto de se valorizar mais estas publicações do que publicar em Portugal. Por outro lado, os critérios das editoras são os já apontados. Sendo que em filosofia, em literatura, em história, por exemplo, não podemos esperar ser lidos por uma multidão. A rematar foi apresentada uma proposta: a criação de uma chancela da nossa Universidade, à maneira do que acontece com outras instituições académicas.

Os primeiros textos a serem inseridos no blogue foram os únicos publicados na imprensa: o de André Freire, que seis dias depois lembrava no Público a realização de Jornada, sublinhava a sua importância e mostrava as suas consequências no quadro das relações entre Universidade e o fora dela. E o de Viriato Soromenho Marques, saído no próprio dia da Jornada na Revista Visão, o qual, respondendo ao nosso apelo, o glosou de uma forma drástica: “Que fazer neste longo naufrágio?”, apontando para o seu ponto nevrálgico: “As instituições que nos governam traíram a nossa confiança”.

Agradecimentos
(por ordem de participação presencial e não presencial)

Reitor da Universidade Nova de Lisboa
Director da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas
Emílio Rui Vilar
André Freire
Patrícia Vieira
António Guerreiro
Nuno Venturinha
Gustavo Rubim
Salomé Lamas
O Pátio/c-e-m

Viriato Soromenho Marques
Teresa Pizarro Beleza
Guilherme d’Oliveira Martins
António Marques
Vanessa Brito
Helena Vasconcelos
António Bracinha Vieira
Duarte Gonçalves

A muitos ainda que se manifestaram, mostrando a sua solidariedade, propondo-se colaborar, ou dando provas de iniciativas afins, como é o caso de Teresa Cadete, José Bártolo e Pedro Farinha Gomes, e os elementos do Jornal O Espelho.

E a todos os que generosamente se deslocaram ao Anfiteatro I da FCSH numa fria e chuvosa manhã e permaneceram até ao fim da Jornada, apoiando e motivando o seu desenrolar com a sua disponibilidade e atenção activa, contribuindo com as suas intervenções (lembramos algumas delas: Luís Crespo de Andrade, Maria do Carmo Vieira, José Gil, Constantino Martins, Gonçalo Marcelo, Helena Pereira de Melo), para o enriquecimento mútuo, criando o embrião de uma comunidade que esperamos se torne cada vez mais firme e vasta. Um agradecimento especial à Maria João Mayer Branco que com as suas pacientes notas nos ajudou a redigir este Editorial. E também a Ana Margarida Querido, Secretária do Departamento de Filosofia da FCSH, pelo entusiasmo e empenho que pôs na concepção do cartaz-anúncio da Jornada e na sua divulgação.

Finalmente, gostaríamos que este Editorial fosse tomado não só como um genuíno exercício de rememoração, mas também como um desafio para não desarmar, para não deixar cair o que foi iniciado. Houve quem celebrasse a iniciativa e pedisse para que ela não fosse, por assim dizer, um recibo de acto único. A criação deste blogue, e o esforço de todos quanto se empenharam directa ou indirectamente nele é já uma resposta a esse apelo

E a seguir?

Anunciamos uma segunda edição da Jornada, da iniciativa de António Marques, que terá lugar no próximo dia 27 de Fevereiro, no mesmo Anfiteatro I da FCSH, pelas 18h. Desta vez temos um tema preciso, que será desenvolvido pelo constitucionalista Jorge Reis Novais: "Constituição e direitos fundamentais em situação de emergência financeira". 

Passem a palavra, não guardem as perguntas sobre direitos fundamentais em situação de emergência financeira para outro dia, convidem pessoas que possam ajudar a aprofundar o debate.

* Foi nesse mesmo momento que nasceu o propósito de escrever uma carta a enviar ao Expresso, na qual não só se dava conta da estupefacção dos subscritores pelo afastamento de António Guerreiro, como se avaliava criticamente aquilo de que isso era sintoma e se traçavam as suas consequências. Eis a lista dos signatários: Eduardo Lourenço, Fernando Belo, Gonçalo M. Tavares, Irene Pimentel, José Gil, Manuel Villaverde Cabral, Maria Filomena Molder, Maria João Mayer Branco, Teresa Pizarro Beleza e Vasco Graça Moura. O pedido de publicação ao director do Expresso caiu em saco roto. Esta nota não serve apenas para sublinhar o que está em causa nessa não-publicação – remetendo para o processo de afastamento de António Guerreiro –, fornece igualmente mais elementos para continuarmos a fazer a pergunta: “Como responder ao momento presente?” e para agirmos em conformidade