21.3.11

"A cada um o seu Lugar" - (lançamento em breve)



Novo trabalho de Irene Flunser Pimentel " A cada um o seu lugar - A política feminina do Estado Novo" Temas e Debates Circulo Leitores
2011





"Josephine Baker em Portugal (1939-1960)", de João Moreira dos Santos, apresentação de Irene Pimentel


Lançamento do livro "Josephine Baker em Portugal (1939-1960)", de João Moreira dos Santos, editado pela Casa Sassetti.Intervenção da Prof. Irene Pimentel Teatro da Trindade, 11 de Março 2011



9.3.11

O Ano de 1931, de todas as rebeliões (II)

No meio académico de Lisboa e Porto, teve lugar, em 1931, um movimento grevista, iniciado na capital com a prisão do estudante da Faculdade de Ciências, Francisco Joaquim Mendes, presidente da Federação Académica. Após a declaração de greve às aulas em diversas faculdades, entre as quais na de Medicina e Letras, para 25 de Abril, realizou-se no mesmo dia uma manifestação de protesto contra essa detenção que terminou com um assalto ao ministério da Instrução Pública. Os estudantes conseguiram a libertação do seu dirigente associativo e este, acompanhado dos colegas, entre os quais se contavam Teófilo Carvalho dos Santos, Artur Santos Silva e José Magalhães Godinho dirigiram-se ao ministro. Após a declaração de greve às aulas em diversas faculdades, entre as quais na de Medicina e Letras de Lisboa, para 25 de Abril, realizou-se no mesmo dia uma manifestação de protesto contra essa detenção que terminou com um assalto ao ministério da Instrução Pública.

Após saberem da agitação estudantil em Lisboa, sucederam-se, no Porto, manifestações no Instituto Industrial e no Instituto Superior de Comércio, e, em 28 de Abril, realizou-se, na Faculdade de Medicina dessa cidade, uma assembleia-geral de alunos presidida Tal como em Lisboa, a PSP invadiu essa faculdade, prendendo Luís Camossa, Gomes de Almeida e António Barros Machado, posteriormente enviados em regime de residência fixa para Famalicão e Paredes de Coura. Foi a prisão deste último, estudante de Ciências e vogal da associação académica presidida por Emídio Guerreiro, que, ao ser enviado para o Aljube, radicalizou o movimento estudantil, no Porto, onde a sua libertação acabou por ser conseguida, devido às ameaças de greve geral feitas junto do reitor da Universidade, Alexandre de Sousa Pinto.

A carga policial da PSP na Faculdade de Medicina provocou, no entanto, também três feridos graves, um dos quais acabaria por falecer. Tratou-se de João Martins Branco, estudante do Instituto Industrial, cujo funeral, realizado em 30 de Abril, no Porto, se transformou numa grande manifestação contra a ditadura, da qual viria a resultar o ferimento a tiro de de 17 pessoas, pela polícia. Nesse mesmo dia, em Coimbra, os estudantes Mário Cal Brandão e Fernando Correia Simões, elementos de ligação com o coronel reviralhista Hélder Ribeiro, que estava clandestino naquela cidade, e Camilo Cortesão, no Porto, foram informados por este último de que iria eclodir um movimento revolucionário, no dia 2 de Maio. Este acabaria por não sair, devido à forte prevenção das unidades militares instaurada pelo governo e à detenção, em Coimbra, de diversos estudantes de Coimbra, enviados depois em regime de residência fixa para fora dessas cidades.

Entretanto o 1.º de Maio de 1931 foi celebrado, em Lisboa, com tiroteio e bombas, em Lisboa, em particular nas ruas da Baixa, no Bairro Alto e na Mouraria, onde houve confrontos violentos entre jovens nacionalistas e direitistas, por um lado, e estudantes comunistas, por outro lado, que se saldaram em quatro mortos e cerca de vinte feridos. «No Rossio, Largo de São Domingos, Ruas de Santa Justa e dos Fanqueiros, Praça da Figueira e noutros locais os manifestantes enfrentaram a polícia e a Guarda Republicana», conforme descreveu Pedro da Rocha que, nesse dia, aprendeu a atirar bombas, com o seu camarada da FJCP, Fernando Quirino. Houve ainda uma manifestação ruidosa frente ao edifício do Aljube e à Casa de Reclusão Militar, com o objectivo de obter a libertação dos presos políticos que ali se encontravam. Curiosamente a Censura deixou passar, potenciando os relatos catastróficos dessa jornada, em que morreram quatro manifestantes. Houve ainda manifestações em Braga, Viana do Castelo, no Cartaxo, em Óbidos, Almada, Tortosendo e Faro. O PCP e a FJCP, que entretanto criara brigadas de auto-defesa para lidar tanto com os nacionalistas como com a repressão policial, voltaram a convocar manifestações em Lisboa e no Porto, para o dia 8, que terminaram novamente em confrontos com a polícia e a GNR, bem como com apoiantes da UN e da Liga 28 de Maio

Após Salazar, ainda ministro das Finanças, mas já com uma postura de chefe do Ministério, emitir uma nota oficiosa a alertar contra os prejuízos para o erário público, provocados pela agitação e os actos revolucionários, avisando que o governo os tornaria «impotentes para a acção revolucionária». Para dia 17 de Maio, o chefe do governo Domingos de Oliveira e Salazar, com o apoio da recém-criada UN, promoveram uma manifestação de massas de auto-apoio, que terminaria com um comício no Coliseu dos Recreios, à Rua das Portas de Santo Antão, onde Oliveira Salaza foi o mais aplaudido. Após aplaudir o ministro das Finanças, a multidão dispersou. No entanto, era esperada nas ruas circunvizinhas por manifestantes «contrários», havendo correrias, distúrbios e explosões de alguns petardos, não só na Rua das Portas de Santo Antão, como no Rossio, na Av. da Liberdade e no Chiado, onde foi lançada outra bomba. O mesmo voltaria a acontecer no dia seguinte, 18 de Maio, ao explodirem petardos junto dos estudantes «nacionalistas» concentrados na estação de caminhos-de-ferro do Rossio, onde aguardavam transporte para regressarem às suas terras. Durante a noite, voltaram a ser lançadas bombas sobre o monumento aos Restauradores, enquanto a PI realizava rusgas e prisões nas hostes “esquerdistas”. Foram presos diversos jovens, acusados do lançamento dos petardos nos dias anteriores no centro de Lisboa, bem como do alto do elevador de Santa Justa, alguns dos quais foram depois deportados para Timor.

No seio do governo, havia entretanto chegado a hora de fazer o balanço da situação e de revelar unidade. Política e militarmente vitoriosa das revoltas das ilhas e de algumas colónias, a Ditadura Nacional voltou a endurecer os seus meios repressivos.Além de demitir a maioria dos 300 implicados presos, deportou-os à «ordem do Governo», sem qualquer julgamento, para novas colónias penais entretanto criadas, nomeadamente em Ataúro e Oecussi, em Timor, bem como na ilha de S. Nicolau, no arquipélago de Cabo Verde. Aqui, foi aberto, no Verão de 1931, nas antigas instalações do seminário da vila da Ribeira Brava, um campo penal, para onde foram enviados cerca de 160 presos republicanos, instalados em deploráveis condições de deportação. Muitos ficariam na deportação por mais de dois anos e alguns nem sequer foram abrangidos pela amnistia de 1932, como aconteceu ao general Silva Dias, que viria a morrer em Cabo Verde em 27 de Abril de 1934.

De qualquer forma, devido às inúmeras críticas a Polícia de Informações (PI), devido aos seus violentos desmandos, esta acabaria por ser dissolvida, sendo as suas funções transitoriamente entregues à PSP. Em 28 de Julho, reapareceu, ,em larga medida devido à implantação da República em Espanha, que levou à necessidade de reforçar as fronteiras, a Polícia Internacional Portuguesa (PIP), que tinha sido criada em 1928, mas extinta em 1930. Ao voltar a ser estruturada, em Julho de 1931, enquanto polícia de estrangeiros, de combate à espionagem e de repressão do comunismo (entendido como uma quinta coluna estrangeira), a PIP passou a ser tutelada pelo ministério do Interior, que nomeou o capitão do Exército, Agostinho Lourenço, para a respectiva chefia. Este viria a ser o director da PVDE e da PIDE, até aos anos 50 do século XX..

Depois das grandes revoltas do primeiro semestre de 1931, foi também simplificado o processo de instrução do Tribunal Militar Especial e reforçada a censura prévia. Após as revoltas das Ilhas, uma circular de 7 de Junho, em nome do director-geral interino da Censura, major Salvação Barreto, lembrou aos oficiais censores das delegações que o seu papel na «preparação do Estado Novo» requeria «especial vigilância sobre aqueles jornais» que interpretassem «esta tendência como propósito de regresso aos antigos processos».

Depois de muitos encontros clandestinos em Portugal e no exílio francês e espanhol, acabaria por irromper nova tentativa civil e militar de derrube do regime ditatorial, de forma intempestiva e prematura, em 26 de Agosto de 1931, sem que estivessem estabelecidas todas as ligações no interior do País. Além disso, a eclosão da revolta interferiu com o envolvimento na campanha eleitoral autárquica, possibilitada em Junho desse ano de 1931, pelo governo, da recém-formada Aliança Republicana-Socialista (ARS). Esta era uma frente sob a liderança do general Norton de Matos, que integrou vários partidos republicanos e socialistas, bem como diversas personalidades adversárias da Ditadura Nacional, erguida em 1926.

Ao mesmo tempo que o movimento revolucionário que eclodiria em Agosto estava a ser preparado, os jovens comunistas da FJCP montavam «brigadas de autodefesa» para a realização de uma Jornada Internacional da Juventude, também programada para Agosto. No entanto, devido à eclosão precipitada da revolta republicana de dia 26 desse mês, os jovens comunistas viram-se obrigados a anular a jornada. Alguns deles envolveram-se nos preparativos da revolta reviralhista, embora se criticasse no interior do PCP essa intervenção. Em 24 de Agosto, realizou-se uma reunião do Secretariado do PCP, onde se manifestaram diversas posições sobre a estratégia a seguir relativamente à sublevação programada, onde «Raul Marques» (José de Sousa) manifestou a opinião de que os comunistas não deveriam participar nela.

Quanto ao movimento revolucionário propriamente dito, após uma última reunião do Comité Revolucionário, na madrugada de 26 de Agosto, realizada no 2.º andar do n.º 17 de um prédio na Rua D. Estefânia, o coronel António Augusto Dias Antunes, o tenente-coronel José Sarmento de Beires, o capitão Jaime Baptista e dois oficiais da Armada seguiram de automóvel para a Avenida João Crisóstomo. Era ali que residia o coronel de Infantaria Hélder dos Santos Ribeiro, coordenador do movimento. A jornada de 26 de Agosto foi um fracasso total dos sublevados civis e militares nela envolvidos. Com a excepção de Lisboa, o resto do país pareceu estar alheado dos acontecimentos da capital, apesar de tentativas para secundar o movimento, por exemplo no Porto, mas sem resultados práticos. Controlando totalmente a situação, o governo nem tinha recorrido aos 800 homens e carros blindados de Mafra, que aguardavam estacionados em Belas.

No dia 27 de Agosto de 1931, o ministro do Interior e da Guerra, Lopes Mateus, realizou, no Quartel do Carmo, uma conferência de imprensa a condenar o «criminoso» golpe perpetrado pelos «políticos», sublinhando que o Exército respondera com «a maior nobreza e decisão aos desordeiros». A revolta de Agosto de 1931 viria a trazer grandes consequências a nível do governo e da oposição à Ditadura. Ao mesmo tempo que a ditadura reforçava a sua força política, terminava definitivamente o diálogo no seio dela com os velhos partidos republicanos. Por seu turno, Salazar via a sua posição claramente reforçada, começando-se a falar abertamente da sua nomeação para a chefia do governo. Depois de, no último dia de Agosto, a Censura ter proibido qualquer referência na imprensa à ARS, esta foi extinta e o seu secretário, José António Simões Raposo Jr. (1875-1948), participante na revolta de 26 de Agosto, preso e deportado para Timor. Terminava dessa forma também a possibilidade de luta legal contra a Ditadura, que aproveitou para reforçar reactivar a PIP, em 21 de Julho, e voltar a expurgar os seus adversários políticos, afastando do serviço todos os funcionários públicos, civis e militares, suspeitos de atitude hostil à «Situação».

Se todas as revoltas do ano de 1931 resultaram em mais de 200 mortos e cerca de mil feridos, só o movimento revolucionário de 26 de Agosto saldou-se pela morte de 40 pessoas e pelo ferimento de 200 a 300 civis e militares. Os locais onde houve mais baixas foram aqueles em torno do Parque Eduardo VII, o Largo do Rato e arredores, bem como os bairros do Castelo e de Alfama, em Lisboa. Segundo a imprensa, ocorreu um «morticínio», nas ruas em redor do forte de Almada, onde foram feridos muitos civis e mortos 4 adultos e 4 crianças, através do bombardeamento, por engano, de um avião vindo de Alverca, pilotado pelo aviador civil sublevado, Manuel Vasques, e pelo sargento José Carvalho. Todas as revoltas e manifestações populares do ano de 1931 resultaram também em milhares de detenções e cerca de 1.500 deportações para as ilhas e as colónias.

Na sequência do 26 de Agosto, houve mais de sete centenas de presos, que foram encarcerados, entre outras, nos presídios de S. Julião da Barra, Peniche e Elvas, bem como na Penitenciária de Lisboa, que ficou repleta. Mais de três centenas e meia de civis, muitos deles comunistas, anarquistas e socialistas embarcariam, sem qualquer julgamento, para a deportação em Timor, Cabo Verde, Angola e São Tomé. Os que não foram detidos em 1931, foram afastados das Forças Armadas e da administração pública, ou colocados em residência fixa na metrópole, enquanto muitos outros “escolhiam” o caminho do exílio. O TME, recriado em 19 de Dezembro do ano anterior, mas extinto no início de 1931, voltou, após o mês de Agosto, a funcionar em Lisboa, acumulando funções de instrução e de julgamento. À medida que Salazar e os seus apoiantes tão bem usavam o aparelho de propaganda, a Censura era a outra arma que acompanhava aquele instrumento.

O poder político explorava o cansaço que se fazia sentir face à intranquilidade pública e culpaava os revoltosos de contribuírem para o aumento da crise económica e financeira, já de si grave. Por outro lado, controlava a “opinião pública”, ao dominar a imprensa adversa através da censura e ao utilizar os seus próprios jornais para potenciar os perigos da desordem económica, social e política urbana, usada esta como espantalho. Foi assim formando uma “opinião pública” que aspirava à «ordem», à «autoridade» e à «tranquilidade» e deixava de se interessar pelos que, de forma minoritária, resistiam a uma Ditadura que se eternizava. Tanto mais que essa “opinião pública” não tinha qualquer saudade do período que havia antecedido o golpe de 28 de Maio de 1926. Por isso, não só a ditadura militar estava em óptimas condições para defender a limitação e mesmo o fim das liberdades públicas, como sabia ter chegado o momento para reerguer ou reforçar instituições repressivas.

O que aconteceu entretanto pelas bandas dos anarquistas, dos libertários e comunistas? Cada vez mais virados para o trabalho sindical, os comunistas actuavam na CIS, enquanto os anarquistas e libertários, tinham a CGT, os socialistas agiam na Federação das Associações Operárias (FAO), havendo ainda os que se organizam n os Sindicatos Autónomos.

Comunistas e anarquistas continuaram a confrontar-se e a rivalizar, respectivamente através da CIS e da CGT, no terreno sindical, mas este já estava num movimento de refluxo e defensivo, apesar de algumas eclosões pontuais de agitação laboral. As duas centrais sindicais tinham uma estratégia e tácticas diferentes. Enquanto a CGT lutava pelo «Trabalho para Todos», pela diminuição da jornada de trabalho para seis horas e por um salário mínimo que acompanhasse o custo de vida, sem distinção de sexo ou profissão, a CIS tinha como lema «Pão e Trabalho», admitindo a jornada laboral de oito horas e lutando por um subsídio de desemprego.

As diversas tendências do movimento operário e sindical estavam todas de acordo na recusa da proposta governamental de um desconto de 2% sobre os salários dos trabalhadores, enquanto os patrões apenas pagariam 1%, para o financiamento da Caixa de Auxílio. Por isso, tanto a CIS como a CGT se uniram em manifestações e na convocação conjunta de greves, em Junho de 1931, para impedir a entrada vigor do decreto que previa esses descontos. Sentindo dificuldade em actuar na clandestinidade, devido à sua cultura libertária, a CGT viria a perder a sua hegemonia no movimento sindical, a favor de uma CIS mais pragmática, dirigida por um PCP em moldes leninistas. Embora ainda com um número reduzido de militantes, mas num período em que podia contar com o relacionamento com a URSS, a partir do final de 1931, o PCP começou nesse ano a publicar o Avante! e O Jovem, influenciando um número cada vez maior de jovens, organizados na FJCP.

Em 27 de Maio de 1932, foram publicados os estatutos da UN e, na sessão em que tomaram posse os seus respectivos corpos directivos, Salazar proferiu um discurso, intitulado «As Diferentes Forças Políticas em Face da Revolução Nacional».O ministro das Finanças não só apelou aos monárquicos para que não ficassem «presos a cadáveres», numa provável referência à recente morte de D. Manuel II, como se dirigiu também aos católicos, pedindo-lhes que apenas se empenhassem nas questões sociais e deixassem de actuar politicamente através do CCP, que deveria ser dissolvido. Quanto aos «antigos partidos», a bem da ordem e da legitimidade da Ditadura, deveriam ser «reduzidos pelo Exército à impotência». Depois de considerar que «o processo da democracia parlamentar» - regime de «facções» - estava ferido de morte, afirmou a urgência de erguer um Estado forte, defensor da «ordem». Finalmente, Salazar condenou os socialistas, anarquistas e comunistas, que defendiam uma sociedade «sem pátria, sem família, sem propriedade e sem moral», dizendo que nada havia «de mais oposto às tendências da Ditadura e aos princípios do Estado Novo».

No dia seguinte, em 28 de Maio de 1932, em que se comemoravam seis anos sobre o golpe militar, Carmona atribuiu, ao ministro das Finanças, na antiga Sala do Conselho do Ministério do Interior, a Grã-Cruz da Torre e Espada, até então apenas outorgada, no caso dos civis, a chefes do governo. O ministro das Finanças dirigir-se ao Exército, dizendo-lhe que este não tinha que «fazer política», mas deveria ser «até ao fim a garantia e o penhor da revolução nacional», sendo veementemente aplaudido pelos oficiais presentes. Entre os adeptos da situação e os militares, era geral o sentimento de que havia que substituir o gabinete de Domingos de Oliveira e este apresentou efectivamente, em 24 de Junho, a sua demissão ao presidente da República. Carmona convocou de imediato uma reunião do Conselho Politico, realizada no dia 28, à qual assistiu Salazar que, segundo Franco Nogueira, dela saiu, com uma «alegria íntima mal reprimida» no rosto. Cinco dias depois, surgiu na imprensa a notícia de que Presidente da República convidara Oliveira Salazar a constituir governo. Em 5 de Julho de 1932 começava uma nova era no regime político português, com a tomada de posse de António de Oliveira Salazar como Presidente do Ministério.



2.3.11

8 Março às 15h

O ano turbulento de 1931, em Portugal

Neste ano, como já aqui lembrei, passam 50 relativamente a 1961, 70, relativamente a 1941 – ano da operação Barbarossa, invasão da URSS pela Wehrmacht alemã -, mas o que me proponho aqui é lembrar o ano de 1931 em Portugal, «o anos de todas as revoltas». Só para situar o contexto, foi o ano anterior àquele em que Salazar chegou à presidência do Conselho de Ministros, de onde só sairia apenas em 1968. Não vou tirar grandes lições desse ano de 1931, vou apenas lembrar alguns dos acontecimentos que então tiveram lugar em Portugal, para mostrar que tudo se poderia ter passado de outra forma daquela que conhecemos. Neste post, vou referir, devido à proximidade cronológica – Fevereiro a Maio – as chamadas «revoltas das Ilhas» e de algumas colónias. Estas não esgotaram, no entanto, as sublevações e manifestações que decorreram nesse ano de 1931, as quais referirei em novos posts.

O que aconteceu neste ano deveu-se a uma combinação de vários factores, entre os quais se contaram a conjuntura nacional de crise, na sequência crash de Nova Iorque 1929, geradora de descontentamento social e político, mesmo se ela teve em Portugal uma amplitude menor que no resto da Europa. A nível internacional, com grande importância, devido à proximidade, ocorreu, em Espanha, a demissão do general Primo de Rivera, desencadeando-se um clima revolucionário de que resultaria na instauração da República no país vizinho, em 14 de Abril de 1931. Todos estes factores se conjugaram para transformar esse ano num período de grande agitação social e política em Portugal, tanto no continente, como nas ilhas atlânticas e em algumas colónias, onde estavam então concentrados muitos deportados da Ditadura Nacional, erguida a partir de 28 de Maio de 1926.

Entre Fevereiro e Maio de 1931, houve sublevações das guarnições militares da Madeira e dos Açores que alastraram à Guiné, onde estavam concentrados muitos deportados. Na Madeira, já grassava desde o início de 1931 o descontentamento provocado pelo desemprego, devido à crise económica e financeira que fizera um rombo nas exportações tradicionais das indústrias de lacticínios e dos bordados, bem como no turismo, originando a falência das principais casas bancárias madeirenses. Por outro lado, um diploma de 26 de Janeiro de 1931, que declarava a importação livre de trigo (decreto da farinha), causara o aumento do preço do pão, provocando os primeiros tumultos e o encerramento do comércio. No dia 6 de Fevereiro, os estivadores da Ilha entraram em greve, despoletando o assalto popular às moagens, na que ficou conhecida como a «revolta da farinha». A ditadura acabou por suspender o decreto, mas enviou para a Madeira o navio de guerra «Vasco da Gama», com as companhias de Caçadores 5 e Metralhadoras 1, para restabelecer a ordem na ilha.

Embora a situação já tivesse ali voltado à normalidade, em 9 de Fevereiro, o facto de o destacamento chefiado pelo «Delegado Especial do Governo» ter reprimido violentamente os revoltosos provocou o descontentamento popular. Aproveitando a saída do «Vasco da Gama» para Lisboa e antecipando-se à deportação prevista de alguns dos mais activos militares revolucionários da Madeira, a revolta eclodiu nessa ilha pelas 7 horas de dia 4 de Abril, sem se confrontar com qualquer resistência, quer do contingente continental, quer de parte da guarnição da ilha, composta pelo regimento de Infantaria 13 e por uma bateria de Artilharia de Costa.

Pelas 10 horas, os tenentes do Comité Revolucionário já tinham ocupado os edifícios públicos e detidos elementos das autoridades da Ilha. Depois, os deportados civis e militares da Madeira integraram uma Junta Revolucionária chefiada pelo antigo ministro republicano Pestana Júnior e pelo general Sousa Dias, que presidiu à Junta Militar, composta ainda pelo coronel Freiria e pelo coronel Mendes dos Reis. Durante os cerca de dois meses que durou a revolta, os sublevados da Madeira esperavam que o governo ditatorial enviasse para a ilha as suas principais unidades militares, desguarnecendo a metrópole, onde, segundo pensavam, deveria eclodir um levantamento de adesão à revolta.

Esperavam que o governo enviasse contra a Madeira as suas «tropas fortes» e possibilitava assim uma acção revolucionária vitoriosa no continente, ou que ele mandasse «tropas fracas», susceptíveis de passarem para o lado dos rebeldes. As notícias da revolta da Madeira e da proclamação da República na vizinha Espanha levaram à eclosão de greves em Setúbal e a um movimento agitação social nas em Lisboa e no Porto. No entanto, apesar de ser programada para dia 2 de Maio, que acabaria por ser o dia da rendição dos sublevados da Madeira, não chegou a eclodir a esperada sublevação no continente, em ligação com a Liga de Paris e o grupo dos «Budas», instalado em Madrid.

Ao contrário dos desejos dos sublevados na Madeira, sem descurar a segurança do continente, o governo conseguiu manter a disciplina entre os expedicionários das «tropas mistas» enviadas para aquela ilha, com o apoio material e político da Inglaterra. Em 20 de Abril, o coronel pró-governamental, Fernando Borges, enviou aos revoltosos da Madeira sucessivos ultimatos, exigindo a sua imediata rendição e, nos dias 24 e 25 desse mês, partiram de Lisboa com destino ao Funchal duas expedições militares, juntando-se-lhes uma terceira, embarcada no navio «Niassa», que levava a bordo o ministro da Marinha, Magalhães Correia. Comandadas por este, as tropas governamentais desembarcaram, no dia 27, na Ponta de São Lourenço e, devido à superioridade em meios humanos e materiais, tomaram, em 1 e 2 de Maio, o Machico. No dia 2, a Junta Revolucionária, chefiada pelo general Sousa Dias e pelo coronel Freiria, capitulou. Apesar de colocados sob protecção inglesa no navio «London», estes dois oficiais, bem como 120 revoltosos foram entregues às autoridades portuguesas e deportados para Cabo Verde.

A Junta Revolucionária da Madeira tinha desde o início feito apelo às unidades militares do continente, das colónias e dos Açores para que se juntassem à revolta daquela ilha. No entanto, ao contrário dos revoltosos da Madeira, a sublevação de 200 deportados dos Açores não recebeu apoio popular, nem o da maioria das guarnições militares. Nessas ilhas atlânticas, aderiram à revolta, iniciada em Angra do Heroísmo, a 7 de Abril, cerca de 120 civis e militares deportados, chefiados pelo comandante Maia Rebelo, pelo capitão João Manuel de Carvalho, pelo major Armando Pires Falcão e por Lobo Pimentel, um antigo sidonista. No dia 17 de Abril, revoltara-se entretanto a guarnição da Guiné. Cerca de uma vintena de sargentos formaram uma breve Junta Revolucionária sob o comando do coronel médico Gonçalo Monteiro Filipe, e tomaram o quartel de Bolama, realizando uma expedição ao arquipélago de Cabo Verde. Não conseguiram porém qualquer adesão à revolta, e, ao serem informados da derrota dos sublevados da Madeira, acabaram por se render sem condições ao delegado enviado pela Ditadura, no dia 6 Maio. Já depois de derrotada a revolta das Ilhas e da Guiné, o comandante da Polícia de S. Tomé, capitão Silvério do Amaral Lebre, com alguns oficiais e sargentos, bem como alguns nativos, roceiros, funcionários públicos e empregados de comércio revoltaram-se contra o governador, na madrugada de 12 de Maio. Sem relação com os acontecimentos nas ilhas atlânticas, esta revolta partiu de funcionários administrativos, aos quais se juntaram outros europeus, motivados por diversos interesses e sobretudo por dificuldades económicas.

Como já se viu ao contrário do que esperavam os sublevados, a revolta das ilhas não teve eco na metrópole, apesar de se ter então feito sentir grande agitação social, devido à crise económica e financeira europeia, que levou à quebra das exportações coloniais, ao aumento do desemprego, bem como à interrupção da emigração e das transferências de divisas do Brasil. Numa situação social quase explosiva, as organizações anarco-sindicalistas e comunistas convocaram, para 29 de Fevereiro de 1931, uma «jornada internacional contra o desemprego» e a fome, em Lisboa, apelando ainda a uma «greve geral» contra o «imposto dos 2 %» para o Fundo de Desemprego, que não foi levada adiante. No meio académico de Lisboa e Porto, onde também continuava a reinar a insatisfação, voltou a ter lugar, em Abril e Maio 1931, um movimento grevista, iniciado na capital, que se espalhou ao Porto e Coimbra.

Para o 1.º de Maio de 1931, foram convocadas pelo PCP manifestações, com a participação dos jovens da FJCP, em Lisboa, Braga, Viana do Castelo, Cartaxo, Óbidos, Almada, Tortosendo e Faro. Recorde-se que, entre Setembro de 1930 e início de 1933, embora na ausência de Bento Gonçalves, que esteve então deportado para Cabo Verde, o PCP conheceu um momento de expansão, graças ao processo de reorganização iniciado por aquele dirigente e José de Sousa, entre outros, em 1929. Com apenas 130 elementos, no final de 1930, esse partido já contava com cerca de 700 filiados, em 1931, ano em que o PCP lançou a Comissão Inter-Sindical (CIS) e a Organização Revolucionária do Exército (ORE), além de começar a publicar o Avante! e O Jovem, órgãos respectivamente do Partido e da Federação das Juventudes Comunistas Portuguesas (FJCP). Embora influenciando alguns jovens operários e estudantes, em particular das escolas profissionais, o PCP era então minoritário em termos de militantes, comparativamente aos jovens republicanos, e sobretudo aos libertários e anarco-sindicalistas, da Confederação Geral do Trabalho (CGT)

Entretanto, devido às crises sucessivas às quais o governo até ali apenas tinha reagido com o silêncio, Salazar resolvera emitir, no dia 6 de Maio de 1931, uma nota oficiosa, a chamar a atenção para os danos causados à economia nacional pelas «alterações da ordem pública nos Açores e na Madeira», bem como pelas «agitações subversivas no Continente nos últimos dias». Utilizando depois a comparação, Salazar disse que as despesas provocadas por esses distúrbios eram da ordem de grandeza dos «juros de toda a dívida flutuante, constituída em bilhetes do Tesouro, durante um ano». Salazar fustigou os “desordeiros”, instando-os a desistissem de fomentar a desordem e avisando-os de que o governo os tornaria «impotentes para a acção revolucionária».

Onze dias depois, o chefe do governo Domingos de Oliveira e Salazar, com o apoio da recém-criada UN, promoveram uma manifestação de massas de auto-apoio. As ruas de Lisboa seriam depois palco de confrontos entre os jovens apoiantes da ditadura, transportados à capital, em comboios especiais, e jovens republicanos, da FJCP e da CGT. No seio do governo, havia entretanto chegado a hora de fazer o balanço da situação. Política e militarmente vitoriosa das revoltas das ilhas e de algumas colónias, a Ditadura Nacional voltou a endurecer os seus meios repressivos, além de demitir a maioria dos implicados presos, deportou-os sem qualquer julgamento, para novas colónias penais entretanto criadas, nomeadamente em Ataúro e Oecussi, em Timor, bem como na ilha de S. Nicolau, no arquipélago de Cabo Verde.
(continua)
Para ler mais

-A. H. de Oliveira Marques, História de Portugal, volume III, , Lisboa, Palas Editora, 1986
- Cristina Faria, «A contestação à ditadura militar», História, ano xx, nova série, n.º 4/5, Julho/Agosto 1998, pp. 38-49
- Filomena Bandeira, «A Oposição externa à ditadura: A Revolta de Fevereiro de 1927 em Lisboa», in O Estado Novo. Das Origens ao Fim da Autarcia 1926-1959. Lisboa, Editorial Fragmentos, 1987, volume II, p. 29
- Luís Farinha, O Reviralho. Revoltas Republicanas contra a Ditadura e o Estado Novo 1926-1940, Lisboa, Editorial Estampa, 1998
- Memórias do Coronel Manuel António Ribeiro, no prelo (a sair em 2011, no Círculo de Leitores)