30.9.12

Reviver o período da II Guerra Mundial no Tamariz


Em Setembro de 2011, passei alguns dias no Estoril, aproveitando o sol e a praia, ao mesmo tempo que preparava um futuro livro sobre a espionagem em Portugal durante a II Guerra Mundial. De Lisboa, deslocava--me quase diariamente à piscina do Tamariz, com uma pasta cheia de livros sobre esse tema. A caminho da praia, eu passava ao largo do Casino – cujo edifício já não é o mesmo de há 60 anos - e pelos hotéis que já existiam durante a II Guerra Mundial, albergando refugiados ricos, ex-chefes de governo e ex-monarcas de países ocupados pelas tropas alemãs, bem como espiões dos dois campos beligerantes. Pude assim ler relatos sobre a actividade de agentes secretos ao serviço da Grã-Bretanha ou da Alemanha, que estiveram muitos deles alojados no Hotel Palácio, imersa num ambiente que remetia para a época dos anos quarenta do século XX.

Efectivamente, durante a II Guerra Mundial, a Costa do Sol, e em particular o Estoril, viveu um período de pujança, devido ao «turismo forçado» de muitos dos perseguidos e fugidos à guerra e às perseguições racistas e políticas do nacional-socialismo alemão e de outras ditaduras europeias anti-semitas. Ironicamente, foi num país onde vigorava uma ditadura nacionalista com simpatias pelo anti-demo/liberalismo e anti-comunismo do nacional-socialismo alemão que alguns perseguidos por Hitler e pelo seu regime encontraram um porto de abrigo transitório, que nunca foi de exílio definitivo.
Devido à censura, os jornais portugueses quase silenciaram por completo a presença dos anónimos «refugiados de guerra», como lhes chamaram, e preferiram evidentemente realçar os «visitantes ilustres» que chegavam a Portugal, «ponto terminal da Europa para as carreiras aéreas da América», como se lia, num entusiasmado artigo do Diário Notícias (DN), de Novembro de 1939. A partir do final desse ano, chegaram perante o deslumbramento dos portugueses e dos repórteres, muitos ex-governantes europeus, aristocratas, ex-monarcas, escritores e actores, expulsos pela ocupação alemã dos seus países ou voluntariamente, que passaram pelos hotéis do Estoril, a caminho de exílios dourados.
No final de 1940, um editorial do mesmo DN dava conta que a «guerra e o Clipper tornaram Lisboa escala obrigatória de vedetas» e que a capital portuguesa era então «a sede cinematográfica da Europa». Por Portugal, porto neutro europeu, passaram também, entre Janeiro e Outubro de 1940, a caminho do exílio, os ex-presidentes lituano e russo, respectivamente, Autonas Smetona e Kerenski, bem como os ex-governantes da Grécia, Jugoslávia, Bélgica e França. Muitos aristocratas e ex-monarcas também se instalaram nos hotéis luxuosos de Lisboa e do Estoril. Foram os casos, entre outros, da princesa Margarida da Dinamarca, dos príncipes regentes da Jugoslávia, Alexandra e Nicolau, dos condes de Paris, do Arquiduque Otto de Habsburgo e da Grã-Duqueza Carlota do Luxemburgo.
Músicos e compositores também se exilaram no «Novo Mundo», através de Portugal. Entre eles, contaram-se os compositores Bela Bartok e Darius Milhaud, bem como o antigo presidente da República da Polónia e pianista, Ignacy Jan Paderewski (1860-1941), que aguardou no Estoril a ida para os EUA. Pelo Estoril, passou logo no início de 1938, ainda antes de a guerra começar, o escritor e intelectual alemão, Stefan Zweig, exilado em Londres, para onde tinha fugido da perseguição nazi. Da estância estância balnear do Estoril, Zweig escreveu duas cartas aos seus amigos Joseph Roth e a Siegmund Freud, convidando-os para passarem um «intermezzo meridional» nesse «local tranquilo da Riviera» portuguesa. Já depois o começo da guerra, estiveram de passagem no Estoril diversos governantes, personalidades e cabeças coroadas da Europa, ocupada pela Alemanha.
Em Novembro de 1940, hospedaram-se no Hotel Palácio do Estoril o milionário Charles Guggenheim, a futura primeira-ministra da Índia, Indira Nehru, e o economista John Maynard Keynes. Outros passaram pelo Estoril com passaportes falsos, clandestina e brevemente. Foram os casos de diversos escritores e intelectuais alemães e austríacos fugidos ao nacional-socialismo, munidos de passaportes checos emitidos em Marselha, que ficaram alojados no Grande Hotel da Itália do Estoril, entre Julho e Outubro de 1940, enquanto aguardaram o navio para os Estados Unidos da América. Entre estes, contaram-se o escritor Franz Werfel e a esposa, Alma Mahler-Werfel, que sentiu, em Portugal, uma «tranquilidade paradisíaca», bem como o historiador Golo Mann, filho de Thomas Mann e sobrinho de Heinrich Mann. Este último e a sua mulher, Nelly, vinham munidos com passaportes checos em nome de Ludwig, para escapar à perseguição nazi.
Antes de partir para Nova Iorque, juntamente com o cineasta Jean Renoir, o aviador e autor do Príncipezinho esteve alojado, entre 28 de Novembro e 20 de Dezembro de 1940, no Hotel Palácio do Estoril. Face à sofreguidão com que os refugiados mais ricos gastavam, na roleta, fortunas «esvaziadas de significado» e «moeda talvez caducada», Saint-Exupéry sentiu uma tristeza e uma angústia iguais à «que nos invade no jardim zoológico diante dos sobreviventes de uma espécie em (vias de) extinção».
A maioria dos refugiados e estrangeiros que se alojaram no Estoril e na «Costa do Sol» permaneceram pouco tempo nesse local de «turismo forçado». As praias da costa do Sol, em particular a do Tamariz no Estoril, aliás como as da Foz do Arelho e da Figueira da Foz começaram a encher-se de refugiados, a partir do verão de 1940. A presença dos refugiados em Portugal nessa época foi aliás a causa da introdução de novas leis de policiamento de costumes e, nomeadamente, da adopção de normas sobre o uso dos fatos de banho, que deviam obrigatoriamente incluir o saiote, para as mulheres, e uma camisa que cobria o tronco, para os homens.
Na Costa do Sol, além dos refugiados ricos, diplomatas e estrangeiros de passagem, também permaneceram, no período da II Guerra Mundial, muitos agentes secretos dos dois campos beligerantes, que se escondiam sob a capa de adidos diplomáticos. Os agentes secretos da Alemanha terão escolhido o Hotel Atlântico, o Grande Hotel do Monte Estoril e o Hotel do Parque, enquanto o Grande Hotel da Itália e o Hotel Palácio eram os preferidos dos agentes secretos dos aliados. Aliadófilos e germanófilos também se cruzavam nos lobbies dos hotéis da Inglaterra, Paris e Miramar.
Em Outubro de 1940, alojou-se no Hotel Palácio do Estoril, o arménio Nubar Gulbenkian, que colaborou com a agência secreta britânica, MI 6 e, entre 19 e 24 desse mês, aí se instalou também o futuro ensaísta Isaiah Berlin, que então trabalhava na Embaixada britânica em Washington. Embora com um peso diferenciado consoante as fases da guerra, a actuação dos serviços secretos ingleses predominou sobre os outros. «Kim» Philby, que, mais tarde, se soube ser um espião britânico ao serviço da URSS, alojou-se no Estoril, da mesma forma que o escritor e agente secreto Graham Greene, e autor de inúmeros livros de espionagem. Outro escritor e agente secreto do Almirantado britânico que se alojou no Estoril, em Maio de 1941, foi Ian Lancaster Fleming, o criador da figura de James Bond.
Thomas Malcolm Muggeridge, outro elemento da Intelligence inglesa, alojou-se na Pensão Royal do Estoril, em Maio de 1942. Enquanto o espião jugoslavo Bocko Christitch se hospedou no Grande Hotel do Monte Estoril, em Agosto de 1941, o conde Iwan Schouwaloff, um russo branco naturalizado holandês que espiou por conta dos alemães viveu em Cascais. Este último viria a ser denunciado como espião nazi, pelo jugoslavo Dusko Popov («Triciclo»), um espião duplo que estava na realidade ao serviço dos britânicos. Entre 1940 e 1944, várias vezes em Portugal, o operacional do XX Commitee, «Triciclo» transmitiu aos ingleses e norte-americanos diversas informações, nomeadamente sobre o ataque japonês a Pearl Harbour.
Popov tinha um quarto no Hotel Palácio do Estoril, onde também permaneceu o célebre espião duplo «Garbo», para os ingleses, «Arabel», para os alemães. Tratou-se do catalão Juan Pujol, que na realidade esteve ao serviço dos britânicos e, em 1944,transmitiu aos alemães informações erradas sobre a localização do desembarque aliado, no continente europeu, dando a entender que o «Dia D», de 6 de Junho ocorreria na zona do Pas-de-Calais e não, como aconteceu, nas praias da Normandia. No Hotel Palácio do Estoril, também estiveram hospedados os actores Zsa Zsa Gabor, fugida da Hungria, em 1944, e Leslie Howard, que colaborou no esforço de guerra dos aliados. Este último partiu de Portugal, onde tinha vindo assistir à exibição do seu penúltimo filme, «Spitfire, the first of the few», em Junho de 1943, para a sua derradeira viagem num avião da BOAC, abatido por caças alemães no golfo da Biscaia.
No Estoril, também viviam espiões ao serviço da Alemanha, pertencentes quer a redes de espionagem da Abwehr – do Alto Comando da Wehrmacht - ou da Gestapo-SD. Em 8 de Outubro de 1943, por denúncia dos ingleses à PVDE, uma brigada desta polícia política portuguesa participou numa rusga, às moradias «Bel Ver», «Gira-Sol» e «Bem-me-Quer», no Estoril, as últimas das quais pertenciam respectivamente a Wilhelm Lorenz e a Hans Bendixen. Outro elemento da Abwehr alemã era o capitão Fritz Kramer, que esteve alojado no Hotel Atlântico, do Estoril, até se instalar na «Casa Atlanta».
Além de Bendixen e de Fritz Kramer, muitos outros agentes secretos alemães viviam aliás no Estoril: foram os casos, por exemplo, de Johan Georg von Wussow e de Rolf Friederici adjunto do adido comercial da Legação alemã, que reorganizou os serviços secretos da Alemanha em Portugal. Outro elemento importante da espionagem alemã em Portugal era Erich Emil Schroeder, «assistente científico e delegado da polícia» (Polizei Verbindungsführer), da Legação alemã em Lisboa, Schroeder era provavelmente o elemento da Gestapo-SD, sucedendo, em Março de 1941 e até ao final da guerra, a Walter Schellenberg.
Este último foi incumbido de raptar os duques de Windsor, que estiveram alojados na casa do banqueiro português Ricardo Espírito Santo, em Cascais, entre Junho e Outubro de 1940. O plano não foi porém levado adiante e, em 2 de Agosto de 1940, o duque de Windsor e Wallis Simpson partiram, de Lisboa, no navio «Excalibur», rumo às Bahamas, tal como pretendia Churchill. No mesmo ano, partia também do Estoril, para embarcar em Lisboa no navio que o levaria ao exílio nos EUA, o exilado alemão Heinrich Mann, deixando escrito nas suas memórias que o olhar sobre Lisboa era «o último, de uma Europa que fica».





«Portugal, durante a II Guerra Mundial, e o Holocausto»

 Foto do Holocaust Memorial Museum


Portugal, a viver sob um regime ditatorial, foi, durante a II Guerra Mundial, um país neutral por onde passaram alguns refugiados judeus e políticos, fugidos a Hitler e ao Holocausto. Ironicamente, foi numa ditadura nacionalista com simpatias pelo anticomunismo e antiliberalismo do regime nazi alemão que refugiados encontraram um porto de abrigo provisório. O facto de o regime ditatorial português, apesar das semelhanças, se ter diferenciado em aspectos essenciais do alemão, a ausência de anti-semitismo na ideologia salazarista e na sociedade portuguesa, bem como as circunstâncias geográficas da neutralidade portuguesa no quadro da aliança com a Inglaterra, acabaram por possibilitar a salvação através de Portugal de perseguidos pelo nacional-socialismo.
No entanto, da mesma forma como noutros países aliados ocidentais e neutros, só muito tardiamente o governo ditatorial português foi sabendo - ou disse que tinha vindo a saber – da existência do que se viria a denominar Holocausto (ou Shoah). Propõe-se dar aqui um contributo para esclarecer de que forma o governo português e a quase inexistente “opinião pública”, moldada por jornais censurados, se foram apercebendo do Holocausto e de que forma reagiram, ou não, face às notícias que iam chegando.

O conhecimento do Holocausto pelas forças aliadas
Os crimes nazis que envolveram um número avassalador de vítimas dificilmente poderiam ter permanecido secretos, apesar dos cuidados que os perpetradores do genocídio tiveram em escondê-los. Alguns historiadores revelaram de que forma chegaram regularmente aos aliados, em particular à Grã-Bretanha, as notícias sobre os massacres de judeus na Polónia e na URSS. O governo soviético também terá sabido dos massacres logo que a Alemanha invadiu o seu território, em Junho de 1941, e, após algumas semanas, o mesmo terá acontecido às capitais ocidentais. A Londres e Washington chegaram notícias das suas representações diplomáticas e serviços secretos na Europa, bem como as veiculadas pelo governo polaco no exílio e pelos dirigentes judeus na GB e nos EUA.
Há que fazer referência à distinção levada a cabo pelo Yehuda Bauer entre informação e conhecimento, sendo este último fundamental para a tomada de uma acção, se é que ela era passível de ser tomada. «Saber, habitualmente vem através de uma série de fases: primeiro, a informação tem de ser disseminada; depois, tem de se acreditar nela e ela deve ser internalizada, ou seja, tem de ser estabelecida alguma ligação entre a nova realidade e um possível processo de acção»[1].
O certo é que, entre a chegada aos Aliados ocidentais das primeiras informações sobre os crimes vindas da Polónia e da Rússia, em 1941, e a publicitação dos mesmos decorreram quase dois anos. Efectivamente apenas em 17 de Dezembro de 1942, foi publicamente difundida uma declaração conjunta, assinada pelos governos aliados e pelo Comité nacional da França Livre, segundo a qual os judeus da Europa estavam a ser exterminados e avisando que os responsáveis por esses crimes não escapariam ao castigo.

E a Portugal, quando chegaram informações sobre o Holocausto?
Foi então que de certeza absoluta o governo português soube do que se passava, embora já tivesse recebido das suas várias representações diplomáticas informações sobre o tratamento dos judeus nos territórios ocupados e satélites. As notícias sobre o Holocausto foram chegando ao governo de Portugal de forma desfocada, como em todo lado, mas foram-se tornando, com o tempo, cada vez mais nítidas. Em Novembro de 1941, numa carta sobre a «Ordem Nova» alemã, o ministro de Portugal em Berlim, Tovar de Lemos, observou que a forma como o partido e o Estado nacional-socialistas se relacionarem com as Igrejas, bem como «o procedimento do Governo Alemão para com os judeus» até caía «mal na opinião pública» de Portugal.
Por outro lado, através de um relatório da missão de oficiais portugueses do CEM enviados à Alemanha, de Dezembro de 1941, dava-se conta que «certas práticas seguidas no interior, pelo partido, sem que lei alguma as permita – perseguição dos judeus e eliminação de doentes considerados incuráveis» tinham vindo a levantar uma viva reacção, «em especial por parte dos chefes da igreja católica, com o apoio do Exército» alemão. O relatório acrescentava que os judeus na Alemanha e nos países ocupados eram obrigados a usar «uma grande estrela amarela, na qual se lê a palavra judeu» e, que, nos países Bálticos, os judeus «não podiam, por exemplo, circular nos passeios», nem exercer trabalhos «em contacto com o público» (sublinhado no texto)[2].
Quando os judeus de Paris, encarcerados no campo de internamento de Drancy, começaram a ser deportados para Leste, na segunda metade de 1942, o cônsul-geral de Portugal na capital francesa, António Alves, tentou obter a libertação dos sefarditas portugueses, promover a sua repatriação e negociar com os alemães no sentido de «os israelitas portugueses» serem «isentos do porte da es­trela». O argumento do cônsul era que tal medida discriminatória «implicaria fatalmente uma desi­gualdade de tratamento a que não estão submetidos os cidadãos franceses residentes em Portugal, seja qual for o respectivo credo»[3]
O MNE português também recebeu, entre Setembro de 1941 e final de 1942, diversas notícias sobre as perseguições aos judeus na Roménia, transmitidas pelo representante diplomático em Bucareste, Quartim, embora a grande maioria das informações sobre massacres tivessem chegado da Polónia ocupada. Em 22 Maio de 1942, deu entrada no MNE português um documento do responsável pelos Negócios Estrangeiros do governo polaco no exílio em Londres, a denunciar assassinatos em massa, onde eram referidos os campos de concentração de Oswiecim (Auschwitz), Sachsenhausen/Oranienburg, Mauthausen e Dachau. De novo, em 18 Junho, a Legação do governo polaco no exílio em Lisboa fez chegar ao MNE a notícia de que a Alemanha tinha o objectivo de «exterminar todos os judeus sem se preocupar com o resultado da guerra».
Em Setembro de 1942, a Reichssicherheitshauptamt (RSHA, organismo central da Segurança do Reich, que controlava todas as polícias da Alemanha nazi) questionaria o consulado alemão em Lisboa, acerca da possibilidade de as autoridades portuguesas impedirem a «emigração a partir de Portugal» dos judeus, «no âmbito da solução final da questão judaica na Europa». Em resposta, o próprio cônsul alemão em Lisboa, Hollberg, informou a RSHA de que, actuando «segundo critérios de humanidade», o Estado português não iria «impedir de forma nenhuma, judeus, de qualquer nacionalidade, de emigrar para estados além-mar», pelo que era inútil «tentar realizar a repatriação dos judeus existentes em Portugal através das ligações existentes entre as polícias» dos dois países[4].
Ainda nesse ano de 1942, Salazar recebeu um relatório, enviado pela Igreja portuguesa, onde se denunciava a ocorrência de muitas mortes nos campos nazis, nomeadamente no de Oswiecim (Auschwitz) na Polónia, embora não se especificasse que se tratava de judeus[5]. Mais importante foi uma carta, recebida por Salazar, dos Serviços de Censura, sobre uma notícia que o jornal católico A Voz pretendia publicar no primeiro dia de 1942, onde se dava conta «da exterminação das crianças» na desventurada Polónia. A Censura considerara passagens da notícia de tal forma «fantasiosas, ou pelo menos exageradas» que as havido “cortado”, impedindo a sua publicação[6].
De qualquer forma, como se viu, o governo português foi informado, através da já referida declaração conjunta dos Aliados, de 17 de Dezembro de 1942, do «propósito» alemão de «exterminar o povo judeu da Europa». O representante do governo polaco no exílio, em Lisboa, continuou a fazer chegar, em Janeiro de 1943 ao MNE português diversos documentos sobre o extermínio de judeus nos territórios ocupados pelos alemães[7]. No dia 25 desse mês, Edward Raczynski, em nome do governo polaco, descreveu os «meios empregues pelas autoridades de ocupação alemãs para a exterminação em massa de Judeus nos territórios da Polónia». O mesmo documento polaco informava que os alemães tinham estabelecido na Polónia 24 campos de concentração, entre os quais se contavam os de Treblinka e Oswiecim (Auscwitz), dando conta das inúmeras mortes ocorridas neste último.
            Mesmo assim, quando a Legação alemã em Lisboa deu conta ao governo português, em 4 de Fevereiro de 1943, que, por «motivos de cortesia», este último teria a oportunidade de retirar dos «territórios sob domínio alemão os judeus de nacionalidade portuguesa», Portugal atrasou o referido repatriamento. Relativamente aos judeus de ascendência portuguesa, a residir na França ocupada, após muitas vicissitudes, 137 judeus sefarditas de ascendência portuguesa ali residentes acabariam por chegar a Portugal, entre Setembro e Novembro de 1943.
A Legação alemã em Lisboa voltou a informar Salazar, em Dezembro, que, «por motivos de ordem policial», era «necessária a deportação imediata de todos os judeus na Itália e Grécia», perguntando ao governo português, se desejava o envio imediato dos mesmos para Portugal[8]. Face à demora da resposta portuguesa, em 5 de Maio de 1944, o ministério dos Estrangeiros alemão enviou à Legação portuguesa em Berlim, uma lista com os nomes de 19 judeus portugueses encarcerados em Atenas, que haviam sido transferidos, com 155 judeus espanhóis e dezenas de outros de diferentes países europeus, para o campo de concentração de Bergen-Belsen[9]. Os 19 judeus chegariam a Portugal, em Julho de 1944[10], mas, a 28 desse mês, a Legação de Portugal em Berlim enviou a Salazar mais uma lista de 13 judeus, oriundos da Grécia (nascidos em Salónica e Kavalla), cujo destino se desconhece.
Diferente foi a sorte dos judeus portugueses na Holanda. Para escaparem aos nazis, cerca de 4.300 judeus sefarditas portugueses, aí residentes, tentaram negar a sua pertença ao povo judeu, pedindo a isenção da aplicação das leis anti-semitas alemãs[11]. Em Agosto de 1942, o comissário do Reich para os territórios Holandeses Ocupados informou «que os “marranos” devem ser vistos como judeus». O caso dos judeus holandeses que se diziam de ascendência portuguesa, que solicitavam a repatriação para Portugal terminaria da pior maneira, dado QUE, dos 4.000 membros da comunidade israelita portuguesa, só se salvariam 500[12].
O caso da Hungria foi também diferente dos anteriores. A Legação portuguesa em Baudapeste, a cargo do ministro Sampaio Garrido e depois do encarregado de Negócios Teixeira Branquinho, concedeu, tais como as outras representações diplomáticas de países neutrais e do Vaticano, «passaportes provisórios» portugueses aos judeus húngaros, «que iniludivelmente provassem ter tido nos últimos anos quaisquer espécie de relações morais, intelectuais ou comerciais com Portugal ou com o Brasil»[13]. Todos os «suplicantes» tiveram de assinar um documento, «comprometendo-se a nunca invocar o pas­saporte» para solicitar a nacionalidade portuguesa[14]. Seja como for, aponta-se para 1.000 o número de pessoas protegidas na Hungria, pelos diplomatas portugueses, das quais 700 ou 800 receberam passaportes provisórios[15].



[1] Yehuda Bauer, Repenser l´Holocauste, postface de Annette Wieviorka, Paris, Éds. Autrement/Frontières, 2002, pp. 219-221
[2] AHD-MNE, GSG 6, pasta 3, 6/12/1941. Relatório da missão de oficiais do CEM à Alemanha

[3] Manuela Franco, «Os Judeus em Portugal», Dicionário de História de Portugal, dir. António Barreto e Maria Filomena Mónica, Porto, Ed. Figueirinhas, volume 8, 2002, pp. 314-324

[5] AOS/CO/NE 2 pasta 46 «Situação religiosa na Alemanha (1942)»
[6] AOS/CO/NE 2 pasta 48. «Notícia sobre a exterminação de crianças judaicas (1942)»
[7] AHD-MNE, 2.º piso, armário 49, maço 76; 3.º piso A69 M163 a e b, 3.º piso, A 48, M 22-23


[8] AHD-MNE. Legação da Alemanha em Lisboa-Aide mémoire, Dezembro de 1943
[9] Judeus em Portugal. O Testemunho de 50 Homens e Mulheres, dir. José Freire Antunes, Versailles, Edeline, 2002, pp.107-111
[10] Nair Alexandra, «Judeus ibéricos no Levante: Salónica», Estrelas da Memória, dir. editorial e coordenação de Esther Mucznik, autores Jean Pierre Guéno e Jérôme Penard, Paris, Les Arènes, 2002 e Lisboa, Global Notícias Publicações, 2005, pp. 218-227.
[11] António Louçã, Conspiradores e Traficantes. Portugal no Tráfico de armas e Divisas nos Anos do Nazismo. 1933, 1945, Lisboa, Oficina do Livro, 2005, pp. 206-207.
[12] Haim Avni, p. 212, cit. por António Louçã, Conspiradores e Traficantes…, pp. 199, 203-206
[13] Doc. 15 – Informação/Resumo de Teixeira Branquinho, de 20 de Abril 1945, Vidas Poupadas. A acção de três diplomatas portugueses na II Guerra Mundial, dir. Manuela Franco, coord. Manuela Franco e Isabel Fevereiro, catálogo da Exposição Documental, Ministério dos Negócios, Setembro 2000, pp.76-78.
[14] Manuela Franco, «Os Judeus em Portugal», Dicionário de História de Portugal, vol. 8, pp. 314-324; Doc. 15, Informação resumo de Teixeira Branquinho, de Abril de 1945, Vidas Poupadas…, pp. 124-125
[15] João Mendes e Clara Viana, Público, Revista 27/3/1994, cit. em Judeus em Portugal, p. 465.